quinta-feira, 17 de julho de 2014

Licença ambiental, quem decide? São Sebastião como um "case"

“Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?” 
(“Até quando Catilina abusarás da nossa paciência?”)
[Cícero; 63DC – “Catilinárias]
Profético?

Não! Apenas uma previsão baseada no histórico (010203) de desenvolvimento do Plano Integrado Porto Cidade – PIPC (01,0203) - o plano de expansão do Porto de São Sebastião:
“São Sebastião: Batalha vencida; atenção redobrada!” foi o título do artigo publicado logo após a emissão da Licença Prévia – LP nº 474/2013 (01020304) pelo IBAMA; em dezembro passado. 

Epigrafado pelo já clássico “no Brasil, até o passado é incerto" (Pedro Malan), alertara: “Mas, pelo histórico, seria muito esperar que fosse a última (batalha): Desde que o Governo Federal noticiou a inclusão do Porto de São Sebastião no Lote-2 do programa de arrendamentos,... foram retomadas reuniões visando articular, mais uma vez, a obstaculização do processo de licenciamento. Agora, “surpreendidos” com a decisão do IBAMA, buscam “suspender” a LP”.

E a previsão se concretizou!

O Ministério Público vem de protocolar mais uma Ação Civil Pública – ACP (0102030405060708,) visando:  i) “suspender em caráter liminar da LP nº 474/2013”; ii) “em definitivo anular” (a LP); iii) “condenar o IBAMA na obrigação de não fazer, consistente em não emitir nova licença sem que antes sejam complementados os estudos de impacto ambiental nos termos apontados” (na ACP).

Para tanto, nas suas 111 páginas, são arrolados dados, fatos e argumentos que poderiam ser divididos em dois grupos: PROCESSUAIS e de MÉRITO.
PROCESSUAIS: Seria absurdo ver-se nessa nova iniciativa algo na linha de uma chicana? (“Manobras protelatórias que visam somente ao prolongamento do processo, retardando a apresentação ou o cumprimento de uma sentença”)?

A dúvida decorre do fato de que o processo de licenciamento já enfrentou a Ação Civil Pública – ACP nº 0001121-19.2010.403.6103 (2010.61.03.001121-3), promovida pelo Instituto Ilhabela Sustentável, Instituto Educa Brasil e Instituto Onda Verde na 3º Vara da Justiça Federal (São José dos Campos). Após as competentes defesas do IBAMA (Procuradora Isabella Mariana Sampaio P. De Castro) e da Docas de São Sebastião (o respeitado advogado e escritor ambientalista Édis Milaré), o Juiz Renato Barth Pires proferiu irretorquível e clara sentença em 2/ABR/2012 (salvo engano, transitado em julgado).Vale lê-la, ao menos seus últimas parágrafos:

“É óbvio que uma obra deste porte causará algum impacto ambiental. A análise das medidas compensatórias e da conveniência e oportunidade em permitir a viabilidade do projeto, frente aos interesses e benesses que a obra atrairá para a região, é matéria de política administrativa, eminentemente discricionária. A este Juízo resta analisar se as medidas são formalmente adequadas, sem desvio de finalidade, e se o procedimento foi levado a termo de modo correto.
As omissões apontadas, como a contaminação ambiental por água de lastro, foram devidamente abordadas no EIA-RIMA. Por igual, houve alteração do projeto de modo a tornar desnecessário o aterramento de mangue.
Deste modo, sob aspecto formal, não há qualquer vício no EIA-RIMA, e nem omissão que culmine em sua nulidade. Neste panorama, nenhum vislumbro nenhum defeito que possa culminar na nulidade do procedimento ambiental, como um todo.
Por esta razão, os pedidos da parte autora devem ser todos julgados improcedentes, mantendo-se o procedimento de licenciamento como está, na atual fase.
De igual modo, penso que a ampliação do Porto, com relação às áreas ao redor, em especial a duplicação da estrada, não necessita terminantemente ser analisada em um mesmo pedido de licenciamento. São obras distintas. Se podem ser feitas concomitantemente, podem também não sê-lo. Trata-se, pois, novamente, de matéria discricionária.
Isto posto, com resolução de mérito nos termos do art. 269, I do CPC, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO”.

Ou seja, a justiça já se pronunciou sobre a questão PROCESSUAL; SMJ, validando o processo de licenciamento que resultou na LP.
MÉRITO: Ocupa a maior parte do texto; retomando (ou requentando?), em tom de ineditismo, alguns temas que foram sobejamente analisados e discutidos no EIA-RIMA e na quase 2 dúzias de complementações solicitadas, e atendidas, pelo IBAMA e demais órgãos ambientais. É por isso que, instado pela imprensa sobre a nova ACP, o IBAMA já esclareceu “... que o empreendimento concluiu o estudo de impacto ambiental e que todas as compensações ambientais estão no projeto”.

Ou seja, tendo analisado o “balanço” dos impactos ambientais, econômicos e sociais, tanto os negativos como os positivos (atendendo, portanto, à legislação e normas pertinentes, p.ex., ao Art. 4º, I da Lei nº 6.938/81, e art. 6º, II da Resolução Conama nº 01/86); também confrontando o “implantar” versus o “não implantar” (exigência dos Art. 5º, I; e art. 9º, V daquela Resolução), o IBAMA, em conjunto com os demais órgãos licenciadores, acabaram por atestar a viabilidade do PIPC. E, em decorrência, emitiram a LP. Não sem, evidentemente, estabelecerem condicionantes, mitigações e compensações (Art. 6º, III e IV da Resolução).

Mas, além dos aspectos técnicos, o projeto e os estudos ambientais foram também longa e profundamente discutidos, em diversos fóruns, ao longo dos últimos mais de 6 anos: Nas 152 reuniões (sendo 22 de grande porte) realizadas antes que a documentação fosse protocolada, em SET/2009; reuniões e discussões que prosseguiram/prosseguem até hoje, incluindo as 2 longas (mais de 6 horas de duração) e concorridas (mais de 1.000 participantes, cada) Audiências Públicas conduzidas pelo IBAMA, em DEZ/2011: São Sebastião e Ilhabela.

Enfim, “... todas as etapas foram discutidas com a comunidade”, como atesta o insuspeito (para este fim) Secretário de Meio Ambiente de São Sebastião; uma das lideranças ambientalistas da região.
Certamente por isso é que, quando da realização da AP do IBAMA em Ilhabela, mais de 2/3 da população era favorável ao projeto: Foi o que constatou pesquisa conduzida pelo IBOPE, ironicamente contratada, com alarde, por uma organização dedicada a articular a oposição ao plano/projeto; mas que, surpreendida pelos resultados, procurou restringir sua divulgação e/ou matizar as conclusões... o que não impediu que seus resultados, para surpresa de todos, tivessem sido trazidos à baila por um dos participantes daquela AP.

A discussão pode e deve prosseguir; mesmo porque é inevitável: Recalcitrantes sempre existirão... principalmente quando privilégios, e de poderosos, estão em jogo. Mas isso não pode, mesmo considerando-se as peculiaridades brasileiras, comprometer a previsibilidade dos processos de licenciamento. Caso contrário, não seguiríamos com o risco de se perpetuar a dicotomia aventada em artigo e trabalho anterior? (“O mais provável é que tenhamos logrado estabelecer no Brasil um sistema com o pior dos dois mundos: A economia, a infraestrutura, os serviços públicos vêm, efetivamente, sendo prejudicados pelo sistema de licenciamento e fiscalização ambiental vigente; sem que, em contrapartida, dele resulte uma eficaz e adequada defesa do meio ambiente”).

Mas a ACP levanta uma segunda dúvida: Quem, efetivamente, licencia (ambientalmente) no Brasil? Em prevalecendo os argumentos e o pleito do MP, não estaria sendo expedido um atestado de incompetência ao IBAMA (à CETESB e aos demais órgãos ambientais que participaram do processo)? 

Não estariam eles sendo desautorizados? Não estariam sendo tolhidos em suas prerrogativas e competências ou, mesmo, na sua própria razão de ser/existir (vide, em particular, 3º item do pedido da ACP!). Enfim; de quem é a palavra final? Afinal; quem efetivamente decide? ... e mais uma dúvida:
A exuberância da natureza no Litoral Norte, particularmente do entorno do Canal de São Sebastião (alguns até o caracterizam como “paraíso” ou “santuário”!) é impactante e reconhecida. Preocupante (ou, mesmo, intolerável!), portanto, as ameaças socioambientais que se acumulam (sinergicamente!) nas últimas décadas como, p.ex.: a derrama de esgotos residenciais nas suas praias e o processo (imobiliário) de “expulsão” dos caiçaras de seus sítios históricos, “empurrando-os” pelas encostas da Serra do Mar (área preservada). E, bem recentemente, a mudança de traçado do denominado “Contorno”, estrada em implantação que, por iniciativa da Prefeitura de São Sebastião, passará a segmentar, ortogonalmente ao Canal, o estreito território do Município, justamente na sua área central.

Será que os procuradores, signatários da ACP, estão estudando, se aprofundando e, com o mesmo denodo, virão a dar tratamento similar a essas agressões socioambientais? Será que, para isso, poderão contar com o apoio, humano e material, daqueles que os incentivaram e subsidiaram na recente Ação?

Afora sua tramitação formal, definida pelas respectivas normas, essa nova ACP é uma preciosa oportunidade de se levantar a questão; de refletirmos sobre o processo de licenciamento ambiental em nosso País (certa e incidentalmente inspirados/motivados por esse “Dia Mundial do Meio Ambiente”, que hoje se comemora). 

Fonte http://portogente.com.br/colunistas/frederico-bussinger/licenca-ambiental-quem-decide-sao-sebastiao-como-um-case-82346

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