domingo, 2 de junho de 2013

A razão de tudo

No ano de 1986 – quando ainda estávamos com a economia fechada e todo mundo andava de fusca, Brasília e Voyage por aí, e em que os programas de TV apresentavam aquela telinha de “censura”- ela me matriculou em uma escola de idiomas para aprender a falar inglês e me disse que aquilo seria muito importante para meu futuro. Meu pai, homem menos “aberto”, me chamou num canto e disse não entender pra que eu deveria aprender inglês – custava caro- se eu morava no Brasil. Pois é…
Aos 13 anos ela me abordou ao final de um almoço, dizendo que eu estava um pouco acima do peso e me apresentou um conceito chamado “reeducação alimentar”. Ela me disse que eu estava na adolescência e que a forma que eu desse a meu corpo nesta idade provavelmente iria me acompanhar pela vida adulta.
Lembro que ela sempre dava alguma corda para meus anseios de criança. Queria violão, ela deixava experimentar (mesmo sabendo de meu “não talento” para a música), se eu queria natação também podia; eu inventava de conhecer algum assunto e lá vinha ela com um livro ou alguma revista sobre o tema.
Sempre observando, balizando, e dizendo a meu pai que deveria me dar uma chance de conhecer e experimentar os anseios que nasciam em mim, pois somente desta forma eu poderia, mais cedo ou mais tarde, achar o meu caminho.
Minha mãe faleceu bastante jovem, aos 47 anos. Sua morte foi consequência de um processo depressivo que culminou no uso exagerado de medicamentos ocasionando uma parada cardíaca. Eu hoje acredito que tanta dor e angústia eram os lados obscuros da mesma característica que a fez ser uma mãe tão atenciosa e assertiva: sensibilidade exagerada.
Durante toda a vida ela me incentivou a ler, conhecer e ousar saber mais de quase qualquer coisa que me aguçasse a curiosidade. Dizia NÃO nos momentos necessários, mas parecia querer se assegurar de que eu teria oportunidade de me expor aos mais variados estímulos.
Observava meu comportamento e quando identificava algum pendor, interesse ou facilidade, investia nisso, me elogiava, incentivava, apostava, comemorava! O pouco que sei tocar violão hoje é por causa dela, o fato de me sentir seguro para escrever textos (e mostra-los às pessoas) eu devo definitivamente a ela. A língua inglesa, cujo domínio fez diferença fundamental para minha carreira, foi obra dela, e o cuidar do corpo e atentar para os sinais de que minha saúde não vai bem… Novamente ela.
É claro que ela tinha defeitos. Diversos e muitas vezes difíceis de serem compreendidos. E infelizmente ela não viu mais da vida justamente por não saber muito bem como lidar com a força que suas emoções tinham. Mas soube, sem dúvida alguma, usar esta força emocional para marcar de maneira positiva a vida de seus filhos.
Por isto estou aqui hoje, para compartilhar com o leitor este agradecimento à minha mãe. Já faz uns bons anos que eu percebi como a postura aberta e inteligente – e por vezes quase visionária – dela fizeram uma diferença enorme em minha educação. Muitas coisas eu não teria conhecido se não fosse a sensibilidade desta mulher que, mesmo com seus erros e fraquezas, conseguiu fazer de mim um homem de verdade.
Hoje infelizmente eu não posso mais dar um abraço em minha mãe. Mas espero que você que está lendo, caso possa, tenha dado um abraço bem forte na sua. E convido-o ainda a escrutinar suas lembranças do passado e descobrir que muito daquilo que você faz ou “deixa de fazer” hoje está necessariamente ligado às lições que ela deixou em sua vida.
E é muito, muito provável que você descubra que é uma pessoa melhor por causa dela.
Até.

Nenhum comentário:

Postar um comentário