Um dos maiores indícios de decadência de uma sociedade é o desapego ao
futuro e a vida, e, quando tais circunstâncias começam a ameaçar justamente
aquela parcela da população que deveria representar a esperança de uma
existência mais bem-sucedida e feliz, a juventude, a preocupação deve ser
redobrada.
As redes sociais foram dominadas nos últimos dias por algo chamado de
“desafio da baleia azul”, que é apresentado a crianças e adolescentes como um
jogo macabro no qual um “mestre” propõe aos jogadores “desafios” que passam
pela prática de delitos, automutilação e chegam até mesmo ao suicídio, como
tarefa final. Exige-se dos participantes provas da execução das tarefas, por
meio do envio de fotos, e há relatos de ameaças aos jovens que tentaram
abandonar os jogos.
É muito importante deixar claro que o “desafio da baleia azul” é uma
prática criminosa, que somente é levado adiante por meio da coação exercida
sobre os participantes com a configuração do crime disposto no art. 146 do
Código Penal, que o define como o delito como constranger alguém, mediante
violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro
meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer
o que ela não manda. Há ainda, uma causa de aumento de pena se houver a reunião
de mais de três pessoas, no parágrafo primeiro.
Portanto, a reunião de pessoas em grupos de “whatsapp”, por exemplo, com
a veiculação de ameaças como a revelação de informações constrangedoras do
desafiado, ou ameaças a outras pessoas da família no intuito de coagir os
jogadores a se mutilarem e realizarem tarefas constitui prática criminosa, a
qual deve ser investigada pelas autoridades policiais com a aplicação das
penalidades em regular processo.
Afirme-se o mesmo para o induzimento ao suicídio, previsto no art. 122
do Código Penal, que prevê que a pena de reclusão de dois a seis anos para
aquele que induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para
que o faça. Se o suicídio não se consumar, mas da tentativa resultar lesão
corporal grave há a redução da pena, mas não a desconfiguração da prática
criminosa. É importante destacar que a pena é duplicada se a vítima do
induzimento for menor ou tiver, de qualquer forma, a sua capacidade de
resistência reduzida, o que mostra a preocupação do legislador em oferecer uma
proteção especial aos jovens, nos quais naturalmente é reduzido o discernimento
e a capacidade de autodeterminação.
Assim, fica bastante claro que o “desafio da baleia azul” não é apenas
uma brincadeira de crianças e adolescentes, mas, sim, uma sucessão de crimes
praticados por diversas pessoas, o que deve ser objeto de tutela e de forte
reprimenda pelo Estado.
É importante destacar, também, que no caso de realização de atos
libidinosos envolvendo menores tem aplicabilidade as normas do Estatuto da
Criança e do Adolescente, que dispõe de diversos dispositivos que tutelam a
prática de crimes específicos, como o art. 241-A, que define como delito
oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar
por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática, ou telemático,
fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou
pornográfica envolvendo criança ou adolescente. Tais casos são apenados com
pena de reclusão de três a seis anos e multa.
Outro ponto extremamente alarmante é a amplitude de realização do
desafio: existem relatos de sua prática envolvendo envenenamento, furtos,
mutilação, violência e suicídio em diversas partes do mundo, o que indica um
fenômeno social global que nos remete aos conceitos de “vida líquida” e
“modernidade líquida” examinados pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman em sua
obra, quando afirma que atualmente vivemos uma vida de consumo: ” é uma vida
precária, vivida em condições de incerteza constante. Significa constante
autoexame, autocrítica e autocensura. Um tipo de vida que alimenta a
insatisfação do eu consigo mesmo. (…) É uma sociedade em que as condições sob
as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário
para a consolidação, em hábitos e rotinas, das nossas formas de agir”.
Nestes tempos confusos, é preciso atenção redobrada dos pais e
responsáveis, aos quais incube na percepção de comportamentos estranhos e
suspeitos, procurar imediatamente as autoridades policiais e denunciar
quaisquer ameaças e atos de coação, na proteção do melhor interesse dos
menores.
*Sócio do escritório Nelson Wilians e Advogados Associados. Especialista
em Direito Administrativo, Regulação e cientista político
Nenhum comentário:
Postar um comentário