sexta-feira, 31 de maio de 2013

Me passa a manteiga

“No dia em que o mundo for mais justo, a vida será mais simples e mais verdadeira”. Oscar Niemeyer, arquiteto brasileiro.
Todos os participantes já tinham alguma ideia do objetivo daquele encontro. Conduzido por um consultor especializado e esperto, a programação do treinamento foi inteiramente cumprida. Iniciada naquela sexta-feira de maio de 2008 e concluída, após uma feijoada na tarde do sábado, em um hotel da aprazível cidade de Serra Negra. – E que hotel! Apartamentos individuais, muito confortáveis, comida excelente e banheiros limpos. Os 28 participantes eram todos gerentes de agências na faixa dos 50 anos de idade e mais de 25 de tempo de Banco. Todos portavam crachás com seus nomes e respectivas agências. Na noite de sexta-feira, o consultor contratado foi direto ao ponto: “Vocês estão aqui para conhecerem e participarem do processo de recolocação que chamamos de Outplacement; melhor informando: vocês deverão deixar o Banco no decorrer dos próximos 6 meses!”
Assim sendo, eles começaram a se inteirar das “vantagens ou ganha-ganha” do Outplacement: uma solução de demissão elaborada com o objetivo de conduzir os processos de desligamento; invenção americana que pegou bem no Brasil. O “como se portar” nas entrevistas consumira com boa parte da manhã do sábado, antes da suculenta feijoada. Antes, no Café da Manhã, o Diretor de Operações do Banco Paulo César Evangelista Dávila, tentara ser agradável e interativo. Sentado na cabeceira da mesa, tendo ao seu lado o gerente Armando Fragoso Neto, pediu, lendo o crachá: “Armando, me passa a manteiga!” Baixinho, muito magro e enrugado, Dávila cultivava uma barba densa e grisalha. Por detrás dela somente os olhos sobressaiam: inexpressivos, fugidios, sinistros. Pareciam os olhos de um estuprador frustrado; outras vezes, pareciam os de um asno, obediente e submisso aos seus patrões do Banco.
Órfão de mãe aos 5 anos de idade, Armando acabou sendo criado pelos avós maternos. Começara a trabalhar no Banco, como Office-Boy, aos 14 anos e procurara seguir o exemplo do avô: trabalhador disciplinado, determinado, honesto. – “Não posso decepcionar o meu avô, pois levo o nome dele!” – Dizia, com frequência. Em 1997, no assalto à agência que gerenciava, Armando foi o único que não se deitou no chão, mesmo sob a mira de uma arma.
Já tarde da noite daquele sábado, ao chegar em casa, a mulher pergunta, apreensiva: “E como foi, a reunião, amor? – “Tudo bem, minha flor, eu não vou ser mandado embora do Banco!” – “Mas, como você sabe? – “Porque o Dávila, que me conhece, pediu para passar a ele a manteiga, hoje no Café da Manhã!”
Autor: Paulo Augusto de Podestá Botelho é Professor, Escritor e Consultor de Empresas.www.paulobotelho.com.br 

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