sexta-feira, 24 de agosto de 2012

China é sufocada por estoques de mercadorias


Desaceleração da economia faz enorme quantidade de produtos não vendidos abarrotar as lojas, entupir os pátios das concessionárias de veículos e encher os armazéns das fábricas

Depois de três décadas de intenso crescimento, a China enfrenta um problema estranho com o enfraquecimento da economia: o enorme volume de produtos não vendidos abarrota as lojas, entope concessionárias de veículos e enche armazéns de fábrica.
Forbes Conrad/The New York Times
Sacos de brinquedos guardados em mercado atacadista em Guang­zhou
O excesso de tudo, desde aparelhos de aço e utensílios domésticos a carros e apartamentos dificulta os esforços da China para se recuperar da forte desaceleração econômica. Ela também produz série de guerras de preços e leva fabricantes a redobrar os esforços para exportar o que não podem vender em casa.
A gravidade do problema foi cuidadosamente mascarada pelo bloqueio ou ajuste de dados econômicos do governo para sustentar a confiança na economia entre os empresários e investidores.
Mas a principal pesquisa não governamental sobre a indústria da China revelou na quinta-feira que os estoques de produtos aumentaram muito mais rápido em agosto do que em qualquer mês desde o início da série histórica, em abril de 2004. O recorde anterior, de acordo com o HSBC/Markit, havia sido registrado em junho. Os meses de maio e julho também apresentaram crescimento.
"Entre as indústrias transformadoras que analisamos, eram esperadas vendas maiores durante o verão e isso só não aconteceu", disse Anne Stevenson-Yang, o diretor de pesquisa J Capital Research, uma empresa de análise econômica de Hong Kong. Com estoques extremamente elevados e as fábricas cortando a produção, “as coisas caminham para um impasse”, diz.
A China é a segunda maior economia do mundo e tem sido o maior motor de crescimento econômico desde a crise financeira mundial iniciada em 2008. Fragilidade econômica significa que a China provavelmente comprará menos bens e serviços do exterior em um momento no qual a crise da dívida soberana na Europa já prejudica a demanda, aumenta a previsão de excesso de oferta, força queda de preços e enfraquece a produção ao redor do mundo.
O crescimento das exportações da China, um dos pilares da economia nas últimas três décadas, diminuiu radicalmente. As importações também pararam de crescer, principalmente de matérias-primas como minério de ferro para produção de aço, à medida que os empresários perderam a confiança nas vendas se mantiverem as fábricas funcionando. Os preços dos imóveis caíram bruscamente, embora existam pistas de que eles podem ter chegado ao fundo do poço em julho. E o dinheiro tem deixado o país por uma variedade de vias legais e ilegais.
Entrevistas com os empresários e gestores de uma ampla gama de indústrias chinesas apresentam um quadro de aumento de estoques.
Forbes Conrad/The New York Times
Wu Weiqi­ng, gerente de uma loja de pias e torneiras em Guang­zhou
Os donos de empresas que fabricam ou distribuem produtos tão variados como desumidificadores, tubos de plástico para sistemas de ventilação, painéis solares, lençóis e vigas de aço para tetos falsos, relatam que as vendas caíram em relação ao ano passado e mostram poucos sinais de recuperação, enquanto os bens não vendidos se acumulam.
"As vendas caíram 50 por cento desde o ano passado, e os estoques estão crescendo”, disse To Liangjian, atacadista de molduras e copos, enquanto faz uma pausa no jogo de poker online na sua loja deserta no sudeste da China.
Wu Weiqing, diretor de uma atacadista de torneira e pia, disse que suas vendas caíram 30 por cento no ano passado e já tem mercadoria a mais. No entanto, a fábrica continua fornecendo utensílios de cozinha em um ritmo acelerado.
"O estoque do meu fornecedor é enorme porque ele não pode cortar a produção para não perder as vendas quando a demanda reaquecer", disse.
Parte do problema está relacionada que os líderes do governo chinês decidiram colocar preocupações com qualidade de vida à frente do crescimento econômico quando se trata de duas das maiores indústrias do país: construção civil e automobilística.
O primeiro-ministro Wen Jiabao impôs uma severa proibição de compra da segunda ou da terceira casa na esperança de desencorajar a especulação imobiliária e diminuir os preços. O resultado tem sido um forte declínio em preços de imóveis residenciais, uma queda acentuada na construção de novas unidades e demissão generalizada entre os trabalhadores da construção civil.
Forbes Conrad/The New York Times
Carros Porsche lotam shopping automotivo de Guang­zhou

Ao mesmo tempo, o governo municipal de Guangzhou, uma das maiores cidades da China, diminuiu a cota de registros de automóveis novos para ajudar a diminuir congestionamento e a poluição do ar.
Autoridades de toda a China têm se reunido para Guangzhou para pedir maiores detalhes. Xi'an, a metrópole do noroeste da China, também anunciou este mês que vai limitar os registos de carros, embora ainda não tenha definido os detalhes.
Durante a última década, a indústria automobilística chinesa cresceu 10 vezes e se tornou a maior do mundo, figurando como uma grande adversária para Detroit. Mas agora, a indústria local está começando a parecer mais como a capital norte-americana do automóvel em seus dias negros na década de 1980.
Os problemas da indústria automobilística chinesa exibem todos os sinais de piora. Foram abertas tantas fábricas de automóveis na China que o setor opera a somente 65 por cento da capacidade total - muito abaixo dos 80 por cento do necessário para rentabilidade.
No entanto, novas fábricas estão sendo construídas e, de acordo com o governo chinês, a capacidade produtiva caminha para aumentar de novo nos próximos três anos a uma taxa igual a de todas as plantas do Japão, ou a de quase todas dos Estados Unidos.
"Eu me preocupo que estamos indo pelo mesmo caminho os EUA, e leva algum tempo para corrigir isso", disse Geoff Broderick, o diretor-geral de operações asiáticas da JD Power and Associates, empresa de consultoria automotiva.
Montadoras na China informam que o número de carros vendidos no atacado para revendedas aumentou cerca de 600.000 unidades, ou nove por cento, no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado.
No entanto, os estoques de carros novos nas concessionárias subiram em 900 mil unidades do final de dezembro até o final de junho. Embora parte do aumento seja sazonal, os analistas dizem que os dados mostram que as vendas no varejo na melhor das hipóteses estagnaram e provavelmente mostrarão uma forte mudança para um setor de dois dígitos de crescimento anual.
"O nível de estoque para nós, está muito, muito alto", disse Huang Yi, presidente do Grupo Zhongsheng, quinto maior rede de concessionárias da China. "Se eu não tivesse feito ofertas especiais no primeiro semestre do ano, estaria ainda maior."
A maior parte dos fabricantes se recusa a cortar a produção e coloca forte pressão sobre os revendedores para aceitarem a entrega dos carros sob acordo de franquia, embora muitos tenham dificuldades para guardar ou financiar os estoques inchados. Isso levou a Associação de Concessionárias da China, controlada pelo governo, a emitir um apelo raro montadoras no início deste mês.
"Pedimos que os fabricantes fiquem atentos aos estoques das revendas e tomem medidas eficazes para reduzi-los, levando em conta o esforço financeiro destas e dando o apoio necessário para que atravessem a tempestade”, disse a associação.
Com pátios lotados, muitos vendedores têm recorrido a táticas agressivas. Isso resultou na insatisfação crescente de consumidores no ano passado, de acordo com pesquisas da JD Power. Como consequência, as concessionárias repetem as mesmas queixas de executivos de outros setores da economia.
Oficialmente, no entanto, a maior parte dos problemas de estoques é insignificante para o governo.
A Secretaria de Segurança Pública, por exemplo, suspendeu a liberação de dados sobre a queda de registro de automóveis. Números do setor siderúrgico foram repetidamente revistos este ano, depois de uma metodologia mostrar desaceleração pior do que a que o governo havia admitido. E enquanto filas de prédios vazios aumentam por todas as grandes cidades, o governo não divulga informações sobre o número de apartamentos ociosos desde 2008, de acordo com um relatório da última sexta-feira.
No entanto, empresários de diversas indústrias têm poucas dúvidas de que a economia chinesa está em apuros.
"As mercadorias costumavam entrar e sair", disse Wu, gerente da loja de torneiras e pias. “Agora, só ficam paradas e acumulam”.

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