"Essa é a dança do desempregado, quem ainda não dançou, tá na hora de aprender. A nova dança do desempregado, amanhã o dançarino pode ser você"
O trecho acima pertence à uma canção do cantor e compositor Gabriel O Pensador, e ainda que a música tenha sido lançada em 1997, permanece como sempre, atual. As pessoas mais felizes com quem eu tenho contato parecem ser aquelas que possuem emprego fixo. Tenho amigos professores, médicos, decoradores, mecânicos, eletricistas, advogados e muitos funcionários corporativos. Todos eles trabalham duro, sabem o que estão fazendo e principalmente, gostam e têm orgulho do que fazem.
Eu sempre tive, entretanto, vibrações não muito boas de pessoas que estão envolvidas em "ganhar dinheiro para os investidores". Tais pessoas focam em transferir dinheiro para lá e para cá, contratar e demitir e cortar custos, não importa quem esteja dependendo destes custos do outro lado da moeda. Estas pessoas são representantes das grandes corporações, e geralmente, no que diz respeito às grandes corporações, seus empregados são apenas números e custos em uma planilha. Foi justamente esta sensação crescente que me fez deixar a vida corporativa, anos atrás.
Este A Grande Virada (The Company Men, EUA, 2010), segue as histórias de personagens que orientaram suas vidas em torno de uma destas grandes corporações. No caso aqui a fictícia GTS - General Transportation Systems. Muitos anos atrás esta companhia envolvia apenas dois chefes e alguns poucos funcionários que começaram construindo navios; pequenas embarcações no começo, depois, navios gigantescos. Mas então, muitos anos depois, chegou a crise econômica. A GTS precisa cortar custos, o que implica em cortar pessoas, e alguns destes funcionários na degola estão descobrindo que sua ocupação primária é fazer e gastar muito dinheiro, e que sem seus empregos, não há muito mais que eles saibam fazer.
O primeiro foco do filme é em Bobby Walker (Ben Affleck), que dirige um Porsche, tem um bom handicap no golfe, uma bela casa nos subúrbios e uma esposa chamada Maggie (Rosemarie DeWitt), que por sua vez adora gastar uma boa grana quando sai por aí. Então, Bobby perde o emprego na GTS. Sua indenização e suas economias não cobrem seu estilo de vida. Ele entra, com enorme desprazer, no sombrio mundo do desemprego. Sua ex-empresa ao menos custeia um espaço temporário em uma central de empregos que o ajuda com seu currículo. Ele passa a frequentar sessões de terapia em grupo onde ele aprende a apresentar a si mesmo e a pensar positivamente. E ele odeia cada segundo disso.
Phil Woodward (Chris Cooper), um funcionário mais antigo da GTS, também é demitido. E se já não há muitas opções de emprego para Bobby, não há praticamente nenhuma para um executivo na casa dos 60 anos de idade. Phil era, literalmente, seu emprego. Sem ele, em termos econômicos, ele é um homem sem compradores e sem nada para vender. Ele vivia com a impressão de que tinha importância e valor, e constata a duras penas que era tudo ficção. Funcionários de grandes corporações são como brinquedos nas mãos de uma criança que está beirando a adolescência: Enquanto há o interesse por parte do pequeno, tudo está ótimo. Mas quando chega a fase das namoradinhas, o destino dos brinquedos é um velho baú num porão empoeirado ou o bom e velho mercado de pulgas.
A GTS foi fundada por Salinger (Craig T. Nelson) e McClary (Tommy Lee Jones). McClary preserva a crença de que a corporação deve a seus empregados alguma lealdade, enquanto que Salinger acredita que uma corporação sobrevive apenas se maximizar seus lucros e produzir apenas um produto primário: renda. Como a visão de Salinger prevalece sobre o idealismo antiquado de McClary, a inexorável tarefa de "trabalhar para o investidor" é reduzida a "sacrificar os empregos e as vidas de outros pelo bem maior", ou seja, pela renda.
Com atores convincentes e através de uma boa construção narrativa, A Grande Virada entrega interessantes retratos de seus personagens, mesmo que o filme em si não seja sobre eles, mas sim sobre unidades econômicas. Quando uma corporação demite alguém, geralmente não dá a mínima se a pessoa é um bom amigo, um pai amoroso, um imprestável ou um mentiroso. O indivíduo é um investimento no qual a empresa acredita até que seu custo não seja mais adequado, e então é "bye bye, so long, farewell", como diria Guilherme Arantes, outro cantor e compositor nacional. O real impacto do filme acontece quando estas pessoas constatam que em termos econômicos, simplesmente não importa para a empresa em questão quem eles são ou o que deixam de ser.
No entanto, há um personagem no filme que realmente faz alguma coisa. Trata-se de Jack Dolan (Kevin Costner), cunhado de Bobby, que possui uma pequena empresa de construção que constrói uma casa de cada vez. Ele e seus trabalhadores sabem como tocar o negócio de maneira eficiente, e quando Bobby (que sempre via seu cunhado com certa inferioridade), bate em sua porta pedindo uma oportunidade, Jack não hesita em ajudá-lo. Jack é o melhor personagem do filme, justamente porque é ele quem nos relembra da verdadeira sensação de dignidade que existe no ato de se trabalhar para tirar seu próprio sustento, e não para tornar uma empresa mais rica.
Escrito e dirigido por John Wells (do bom Pegando Fogo, 2015), A Grande Viradanão é o tipo de filme que retrata o desespero de se estar desempregado. O filme nunca se torna apelativo e se restringe a mostrar o mundo como ele é, onde pessoas comuns como eu e você tentamos ganhar a vida, dia após dia. Nos bons momentos, os jovens vão ao cinema e sonham em se tornar Gordon Gekko. Nas horas difíceis, um mero construtor se torna uma referência de estabilidade e segurança. Meu conselho aos jovens que hoje estão tentando escolher sua carreira, envolve um velho clichê: "Encontre aquilo que você realmente gosta de fazer e faça disso sua profissão". Eu realmente creio que é assim que as coisas funcionam. Até porque, já que se for para ficar desempregado, parece menos difícil se você odiar o que faz, de qualquer modo.
A Grande Virada está disponível para o mercado de home-video.
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