Os
educadores têm sido influenciados, sobretudo pelas famílias, a levarem o
empreendedorismo para dentro da sala de aula. A cobrança é reflexo de uma
preocupação concreta com o futuro profissional dos filhos: o país conta com
mais de 13 milhões de desempregados, sendo 4 milhões de jovens com idade entre
18 e 24 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
(IBGE). Em um cenário de poucas oportunidades profissionais, empreender passou
a ser associado a uma força econômica que permite o Brasil gerar empregos e
vislumbrar um novo patamar de desenvolvimento econômico. A escola, com o
papel de formar cidadãos e capacitá-los profissionalmente, passa a ser
desafiada a criar uma educação empreendedora – embora muitas não tenham vivência
prática na temática.
Um dado
relevante é que o empreendedorismo, a investigação científica, os processos
criativos e a mediação e intervenção sociocultural são eixos que surgem
fortemente no novo Ensino Médio da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) –
modelo que deve ser implementado nas escolas públicas e privadas do país até
2021. A proposta é que essas temáticas orientem os itinerários formativos, ou
seja, as atividades que os estudantes poderão escolher para serem objeto de
aprofundamento de conhecimentos referentes ao mundo do trabalho e à gestão de
empresas. Essa é uma medida que dialoga com a demanda de uma escola que
capacita o aluno a gerir conflitos e a propor soluções para problemas
socioculturais e ambientais nas comunidades nas quais o estudante vive. Na
prática, uma postura perante a vida que tem muitos pontos em comum com o
empreendedorismo.
Perante a
urgência da demanda de preparar o aluno dentro de uma lógica de educação
empreendedora – e diante de estudo da Dell Technologies que aponta que 85% das
profissões que teremos em 2030 ainda não foram inventadas –, vemos surgir
inúmeras iniciativas para levar a temática do empreendedorismo para dentro da
sala de aula. Alguns, inclusive, com um viés pedagógico que não reflete a
realidade das startupse
empresas brasileiras. Parte desse equívoco reside na distância entre o ambiente
e processos educacionais e os adotados no universo empreendedor. As novas
formas de aprendizagem e competências levadas para o espaço escolar sobre o
cotidiano de um empreendedor mostram esse abismo quase intransponível ensino e
realidade.
Para se
ter uma noção sobre essa distância entre escola, profissão e empreendedorismo,
cito uma pesquisa conduzida pela Udemy com mil brasileiros com idades entre 21
e 35 anos. Esse mapeamento apontou que os jovens profissionais se ressentem
do déficit de
habilidades fundamentais para a vida profissional. Para dois terços dos
entrevistados, o que mais faz falta não é o conhecimento técnico, mas
capacidades que deveriam ser desenvolvidas no ambiente escolar como
inteligência emocional, comunicação, gestão do tempo e pensamento crítico.
Aliás, essas são capacidades fundamentais tanto para o trabalho em grandes
empresas, quanto para o empreendedor. A falta da habilidade de liderar também
foi apontada por um terço dos participantes da pesquisa como uma lacuna
importante dentro das habilidades profissionais – temática que tem muito a ver
com levar inovação, tecnologia e empreendedorismo para dentro da sala de
aula.
Nos
últimos sete anos, como cofundador da Geekie, tenho trabalhado com toda a
comunidade escolar para projetar e implementar estratégias de aprendizagem,
apoiadas por soluções tecnológicas, metodologias inovadoras e formação
continuada do corpo docente. Com a experiência de ter impactado mais de 12
milhões de estudantes e 5 mil escolas de todo o país, vejo a importância de
criar um ambiente escolar no qual o cotidiano do aluno na escola esteja
conectado com as demandas não apenas do futuro – mas, principalmente, do
presente.
Nessa
conjuntura é importante abordar os seis mitos que permeiam o imaginário dos
alunos sobre o empreendedorismo. Embora haja um enorme glamour em torno do ato
de empreender – muitos jovens acham que ter o próprio negócio é sinônimo de não
ter chefe e ter uma rotina flexível –, a verdade é bem diferente. Há de se
considerar, também, que o fato é que muitos educadores não têm como se
contrapor a esse repertório equivocado sobre criar e gerir uma empresa, pois
não têm vivência que ofereça suporte para aulas baseadas em evidências sobre a
temática.
O
primeiro mito que destaco é que não é possível ganhar dinheiro e mudar o mundo.
Com uma nova geração pautada pela empatia e pela preocupação com o legado
pessoal, essa é uma questão cotidianamente presente. A boa notícia é que é possível
conciliar essas duas coisas. O país é o celeiro de uma série de negócios que
surgiram para resolver problemas que atingem uma parcela grande da população. A
Geekie, por exemplo, surgiu dessa forma; uma empresa conectada com o desafio de
contribuir para melhorar a qualidade da educação no Brasil.
O segundo
mito é que empreender garante uma rotina mais flexível. Alguns especialistas
dizem que ter uma startupvirou
um sonho tão popular entre os jovens de hoje como era, nas décadas de 1980 e
1990, montar uma banda de rock. Parecia que a questão se resumia a reunir os
melhores amigos, compor as músicas mais bacanas e aguardar ser descoberto para
virar um astro. Sabemos que a teoria na prática é outra! Não há uma rotina
queseja adequada ao estilo de vida que o empreendedor quer levar. O terceiro
mito reside na ideia de que para empreender nunca devemos desistir de uma ideia
original. Esse é um completo e complexo mito. O empreendedor não pode se
apaixonar pela própria ideia; a busca deve ser por resolver um problema. A
partir daí vários ajustes devem ser feitos até tornar o produto ou serviço
adequado ao consumidor que se deseja conquistar.
O quarto
mito que precisa ser desfeito é que a entrega precisa ser perfeita logo no
início do negócio. Essa lógica está equivocada porque é a partir do feedbackdos consumidores em
potencial que o empreendedor pode melhorar o produto ou serviço. Esse tema nos
remete ao quinto mito do empreendedorismo. Você precisa escutar o seu cliente
para conhecê-lo. A questão é complexa porque não deveríamos focar apenas em
escutar, sim de calçar os sapatos dele; observar e vivenciar o cotidiano desse
cliente. O sexto mito é, na minha opinião, muito emblemático: o empreendedor é
o melhor funcionário que a empresa pode ter. O empreendedor precisa contratar
pessoas melhores que ele em determinadas especialidades, ou seja, tem que ter
humildade para conseguir fazer o melhor para a empresa ou startup– e isso passa pela
contratação correta de talentos.
Para
finalizar, trago uma ideia do professor José Moran, doutor em Comunicação pela
Universidade de São Paulo (USP) e uma das maiores referências no Brasil sobre
metodologias ativas e inovação na educação. Em conversa com equipe da Geekie, Moran
afirmou que a escola se transforma mais lentamente do que desejamos e emritmos
diferentes.O professor aponta que o empreendedorismo e a mudança de mentalidade
são essenciais para transformar a escola tradicional em um ambiente inovador;
salienta, entretanto, que esse fazer empreendedor deve ser associado à
humanização. Concordo plenamente. Como a inserção da tecnologia, o
empreendedorismo na sala de aula deve estar conectado com a intencionalidade
pedagógica e com um conteúdo ancorado em evidências; na experiência de
empreendedores que lidam com luzes e sombras; com desafios e alegrias de tornar
um desafio em negócio.
Eduardo
Bontempoé graduado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV) e iniciou MBA no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Por
entender que estava diante de uma janela de oportunidade para para empreender,
deixou o MBA e fundou a Geekie com Claudio Sassaki. Menos de três anos depois,
teve a certeza de que a difícil decisão foi a certa: foi reconhecido comoInovador do ano pelo próprio MIT, na
publicação global MIT Technology Review.
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