quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

É Preciso Falar Sobre Saúde Mental No Ambiente De Trabalho [Parte II]

De um lado, no topo do ranking das maiores jornadas de trabalho do mundo, aparece a nação africana Quênia, com até 52 horas semanais. Do outro, na base, os franceses consideram qualquer período superior a 35 como hora extra. Nesse cenário, o Brasil surge, junto a outros nove países, com um expediente de 44 horas semanais. 
Os números acima ajudam a enfatizar a importância do ambiente corporativo na vida das pessoas. Embora não atue sozinho como fator de risco diante do aumento de transtornos mentais entre os brasileiros, para mais da metade deles (60%), o trabalho é a causa de se sentirem nervosos, irritados, cansados, tristes ou sem energia, segundo uma pesquisa realizada com 16 mil pessoas pela Regus, empresa especializada em escritórios flexíveis. 
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a globalização contribuiu para o estresse relacionado ao trabalho e todos os distúrbios associados. De acordo com a entidade, uma em cada cinco pessoas pode sofrer algum tipo de condição de saúde mental no ambiente profissional, afinal, é lá que se passa boa parte do dia. 
Depressão e ansiedade, muitas vezes juntos [conforme introduzido na parte I deste ebook], são transtornos comuns e que podem impactar diretamente a atividade produtiva. Um estudo da OMS aponta que os dois geram à economia global um trilhão de dólares por ano em perda de produtividade. Por outro lado, para cada dólar investido no tratamento e na prevenção há um retorno quatro vezes maior em saúde e produtividade melhoradas. 
Em 2015, o investimento anual por colaborador visando programas de saúde e bem-estar ficou em R$ 224,15 e, em 2018, o valor subiu para R$ 271,21, um aumento de 21%. Ainda segundo os dados da 28ª Pesquisa de Benefícios, realizada pela consultoria Mercer Marsh Benefícios (MMB), que ouviu 690 empresas, totalizando 1,7 milhão de funcionários, 38% das companhias planejam aumentar os recursos em iniciativas desse caráter. 
Os empregadores podem contribuir, e muito, atuando como agentes de mudança e estimulando debates de forma aberta sobre o assunto. Porém, conforme ressalta Ana Maria Rossi, presidente da ISMA-BR, representante local da International Stress Management Association, organização sem fins lucrativos dedicada ao tema, em tempos de crise e necessidade de enxugamento, uma das primeiras decisões é cortar os programas relacionados à saúde. 
“É como se as corporações colocassem os trabalhadores em um barco e mandassem jogar os coletes salva-vidas no mar, para reduzir o peso, deixando todo mundo por sua própria sorte. O que é um prejuízo grande, porque não estão instrumentando seus profissionais a lidarem com esse excesso e sobrecarga”, destaca Ana Maria. 

O que fazer? 

Diversas iniciativas e estratégias por parte das organizações podem contribuir no enfretamento dos transtornos mentais. Em primeiro lugar, de acordo com a presidente da ISMA-BR, é necessário o foco na prevenção. “Vivemos em uma sociedade orientada pelo tratamento, que fica doente e toma remédio. É melhor, e menos custoso, construir e encorajar o engajamento dos funcionários a um estilo de vida saudável”. 
Além disso, destaca a importância em adaptar o trabalho ao indivíduo. “Por exemplo, um colaborador foi contratado para trabalhar oito horas e há uma crise/ emergência na empresa e passa para nove horas. Quando for resolvida a situação, que volte para as oito horas. Temos observado que permanece na alteração e, quando há outra crise, aumenta ainda mais. Que seja respeitado o limite das pessoas”, expõe Ana Maria. 
Para Luis Felipe Cortoni, diretor da LCZ Consultoria Organizacional, o esclarecimento é fundamental no processo, principalmente por ainda haver estigma e desconhecimento em relação à saúde mental. Por isso, deve-se discutir o tema dentro das empresas com transparência, como em pequenas rodas de conversa — contribuindo para diminuir tabus e incompreensões.  “A ideia não é procurar culpados, mas estabelecer relação com o profissional para que ele possa se cuidar melhor”. 
Outra frente, segundo Cortoni, é preparar gestores para que fiquem atentos às mudanças de comportamentos de seus colaboradores e detectá-las com antecipação. De acordo com dados levantados em 2017 pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a depressão e o estresse ocupacional estão entre as cinco principais causas de afastamento do trabalho no Brasil. 
Uma das ações realizadas pela consultoria é o de reintegrar àqueles que foram afastados da organização devido algum transtorno mental. “Com isso você consegue uma melhor reintegração. Prepara o grupo, o líder e a pessoa antes do retorno. Essa preparação desmistifica muito”, explica o diretor da LCZ.

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