quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Manifestações se refletirão no ambiente de trabalho, diz futurista Rosa Alegria

por Fabiano Lopes

A figura do chefe, que dá ordens o dia todo, está com os dias contados em razão da busca pelo protagonismo das futuras gerações. O RH também sofrerá alterações: precisará olhar as pessoas não como recursos, mas como valores humanos. As previsões, feitas a partir de análises e observações, é da futurista Rosa Alegria. Longe das bolas de cristal e embasada pela ciência, a pesquisadora falou com o CanalRh sobre como as mudanças da sociedade brasileira impactarão o futuro. As manifestações que lotam as ruas do País transformarão também a forma como pessoas e organizações se relacionam, aponta a especialista.

Graduada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Estudos do Futuro pela Universidade de Houston (EUA), especializada em foresight estratégico e consultora internacional, Rosa participa de uma série de projetos internacionais, como o Millennium, da World Federation of United Nations Associations (WFUNA), o Conselho Internacional da plataforma Ethical Markets, criado pela economista e futurista Hazel Henderson, e o Núcleo de Estudos do Futuro (NEF) da PUC-SP, do qual é vice-presidente e cofundadora.

Parece até uma atividade meio etérea, mas não é. Uma das poucas futuristas do Brasil, Rosa faz projetos estratégicas nessa área para grandes corporações nacionais e internacionais, como Du Pont, BASF, Banco do Brasil, Natura, Cargill e Volkswagen. Nesta entrevista ao CanalRh, a futurista fala sobre a necessidade de mudança de postura do RH, que precisa colocar o ser humano como objeto de suas ações, além da necessidade de ele se preparar para lidar com as novas gerações. A especialista fala ainda sobre o anseio dos jovens de terem mais autonomia e liberdade no ambiente de trabalho, o que provocará mudanças profundas nas empresas.

CanalRh: O que é ser uma futurista?
Rosa Alegria: Futurista é o profissional que auxilia pessoas e organizações a lidarem com mudanças. Não fazemos previsão e não temos relação com as ciências ocultas. É uma profissão científica. Por meio de informações e análises ajudamos a antecipar fatos, o que é essencial para as empresas se planejarem.

CanalRh: O que é necessário para ser um futurista?
RA: Não existe uma graduação específica sobre o assunto, mas há alguns cursos de mestrado e doutorado no mundo. Mesmo assim, não é preciso ter uma formação acadêmica para se dedicar ao tema. O profissional que quer trabalhar com a prospectiva estratégica tem de ser capaz de perceber no dia a dia os sinais da mudança e de olhar sempre adiante, ser inquieto e curioso, saber fazer relações e projeções e ter um radar aguçado. Atualmente somos pessoas raras. Existem poucos futuristas no Brasil e no mundo. Em nosso País, destaca-se o Núcleo de Estudos do Futuro (NEF) da PUC-SP; globalmente os EUA são os mais relevantes, seguidos pela Inglaterra, Finlândia, Alemanha, Portugal e Austrália.

CanalRh: Desde junho, o Brasil tem sido palco de uma série de manifestações. Elas começaram pela luta pela redução do preço da passagem do transporte público, mas rapidamente os temas que as originaram se expandiram. Foi possível prever que as pessoas sairiam às ruas brasileiras?
RA: Apostávamos que, em algum momento, a sociedade brasileira se levantaria em razão de alguma carência. Porém, não vi nenhum estudo que indicasse que isso estaria acontecendo agora. Foi uma surpresa que veio para quebrar essa imagem de que o brasileiro é cômodo, que há anos vem sendo repetida.

CanalRh: As manifestações têm prazo de validade? Elas estão próximas do fim?
RA: Não acho que elas vão parar. As manifestações demonstram uma nova forma da sociedade se relacionar com o poder. É algo que já estava acontecendo em outros países, como Egito e Turquia. As pessoas saíram às ruas e conseguiram mexer em coisas importantes, que se fosse de outra forma não aconteceriam. Está dando certo e as pessoas continuarão nas ruas.

CanalRh: O que explica as manifestações?
RA: O sentimento de exaustão. A sociedade está se sentido exaurida pelas empresas e governos, que não estão trabalhando para o ser humano. Não é mais concebível que empresas tenham lucros dezenas de vezes maiores que o Produto Interno Bruto (PIB) de um país, assim como não se tolera mais nações que têm crescimentos econômicos absurdos, mas voltados apenas para um seleto grupo de pessoas. A economia não está trabalhando a favor da humanidade. Além disso, as pessoas estão mais engajadas e, graças às redes sociais, possuem mais informação.

CanalRh: O que isso muda para as empresas?
RA: Algo que chama atenção das manifestações é a falta de líderes. Diferentemente do que aconteceu em outras épocas, todos são protagonistas. O mesmo deve acontecer nas empresas. As futuras gerações não vão querer um chefe as orientando, vão querer também protagonizar. Há uma quebra nesse modelo vertical das companhias e uma busca pela horizontalização. Esses jovens não vão querer repetir nossos passos e isso será um grande desafio para as corporações.

CanalRh: Além da liderança, que tipo de mudanças essas gerações devem buscar?
RA: Há um processo de fortalecimento da autoestima do indivíduo em relação às empresas. Antigamente, conhecíamos as pessoas pela empresa em que trabalhavam. Por exemplo, “X” era da Coca-Cola e “Y” da Unilever. Havia um valor ligado às organizações que não existe mais. Aquele funcionário que veste a camisa da empresa, que a defende a qualquer custo, não é mais realidade. As pessoas querem vestir suas próprias camisas e querem trabalhar em companhias que tenham visão de mundo semelhante às delas. Não adianta mais apenas pagar um bom salário, as empresas tem que se preocupar em como se posicionam no mundo. O acesso à informação também deve mudar a forma de relacionamento entre as pessoas e as empresas. Atualmente, se pode saber com facilidade sobre como é o dia a dia da companhia e quais são suas políticas internas, isso pode atrair ou afastar talentos.

CanalRh: As pessoas estão buscando empresas mais éticas?
RA: A lei anticorrupção recentemente aprovada pelo governo brasileiro é um sinal que essa preocupação faz parte da agenda atual da sociedade. Agora as empresas como um todo podem ser responsabilizadas por casos de corrupção. As companhias precisam no momento resgatar a confiança das pessoas e essa lei mostra isso. Aliás, confiança pode ser o grande valor do futuro. Atualmente, há muita hipocrisia nas corporações. As empresas que querem conquistar corações e mentes terão que assumir a responsabilidade social de verdade e, para isso, não poderão fazer acordos ocultos entre si ou com o governo.

CanalRh: Qual a importância para os colaboradores da responsabilidade social?
RA: As empresas que não forem ativistas sociais vão perder bons talentos. As companhias que vão prosperar no futuro são aquelas devotas às causas sociais, que trabalham à favor das pessoas e não do lucro apenas.

CanalRh: Como lucrar trabalhando a favor das pessoas?
RA: É possível lucrar trabalhando de diversas formas: usando mão de obra escrava, com pessoas doentes, fazendo coisas proibidas e também agindo para o bem estar interno, contribuindo para que colaboradores estejam felizes e mais produtivos. Um exemplo de ação que precisa ser tomada nesse sentido é a questão das horas diárias de trabalho. É preciso redistribuir o trabalho, pois enquanto alguns têm jornadas exaustivas, outros não encontram trabalho. Vivemos em um mundo pós-moderno, mas o tempo gasto com o trabalho é da época da revolução industrial. É insano ficar mais de seis horas de seu dia trabalhando. É uma questão atemporal que só deve ser resolvida na próxima geração.

CanalRh: O que o RH deve fazer em relação a essas mudanças que estão surgindo?
RA: O RH precisa reorientar seu foco. Ele tem que valorizar o humano, não como recurso, mas como valor. O fator humano terá que ser a grande bandeira do RH. É preciso, inclusive mudar o nome da área, passando para Valor Humano. Não somos máquinas para sermos um recurso. O RH tem que olhar como a nova geração se relaciona com o trabalho e respeitar isso, trabalhando para a felicidade do colaborador.

CanalRh: Como isso se relaciona com a busca pela produtividade?
RA: Primeiramente, temos que nos perguntar o que seria ser produtivo. Isso é um conceito que tem relação a resultados e que no contexto atual está ligado exclusivamente aos dados financeiros. O que adianta ser produtivo e ficar doente? É preciso que esse conceito seja transformado a partir do bem estar e da felicidade. Esse sistema de gestão fossilizado no resultado tem se propagado a partir do sacrifício das pessoas. Hoje os colaboradores não são felizes no ambiente de trabalho. É preciso pensar no que temos que fazer para mudar essa realidade. Isso tem que ser feito fortalecendo a autoestima do colaborador.

CanalRh: Como a nova geração está se relacionando com o mundo do trabalho?
RA: A nova geração está colocando a liberdade como valor soberano em seu relacionamento com o trabalho. Essa geração quer ser livre. A liberdade vai representar uma série de mudanças, desde repensar a obrigação de se ir até o ambiente de trabalho, o fato de se ficar preso em uma sala o dia todo, a possibilidade de se expressar até a criação de sistemas próprios de avaliação. Isso tudo é o resultado da volta da autoestima ao ambiente de trabalho. Quem não se adaptar a isso terá sérios problemas, principalmente para reter talentos, e para lidar com essas alterações o RH será essencial.

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