domingo, 27 de maio de 2012

Tecnologia de ponte - Projeto e materiais colocam ponte paulistana entre as mais avançadas do mundo


Por Flávia Gouveia

Por Flávia Gouveia
A cidade de São Paulo ganhou em 2008 uma inovadora obra de engenharia, construída para enfrentar o desafio de melhorar o trânsito caótico da região da marginal Pinheiros e da avenida Jornalista Roberto Marinho. Com 138 metros de altura, um desenho de mastro em xis e longos estais (cabos de aço) revestidos com bainhas amarelas de polietileno de alta densidade, a imponente ponte estaiada Octávio Frias de Oliveira é a pioneira no mundo com duas pistas em curva conectadas ao mesmo mastro. “Um verdadeiro desafio de engenharia, pois a pista em curva exige cálculos diferentes para cada um dos estais”, afirma o engenheiro Leonardo Pedro Lorenzo, da Geométrica Engenharia Ltda, empresa que realizou o projeto viário da obra.

A união de projeto e materiais inovadores, além do intenso trabalho de cerca de 420 homens durante dois anos e de um investimento de R$ 233 milhões, fez da ponte uma realidade que colocou o Brasil entre os países detentores da mais avançada tecnologia de pontes estaiadas (suspensas por estais). A equipe responsável pela obra compõe-se de uma dezena de profissionais de cinco empresas especializadas em projeto, arquitetura e construção, além da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que realizou os testes de estabilidade e resistência à ação dos ventos, chamados ensaios em túnel de vento. O engenheiro responsável pelo projeto estrutural da ponte, Catão Francisco Ribeiro, da Enescil Engenharia e Projetos Ltda, elogiou a expertise das empresas brasileiras, a qualidade do trabalho da UFRGS nos testes, bem como a excelência da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) como formadora de profissionais valiosos que compõem sua equipe. “O Brasil realmente não deixa nada a desejar em competência profissional de ponta nessa área”, diz Ribeiro.

Mas o domínio dos conhecimentos necessários para a concepção e construção de pontes estaiadas contou com a transferência de tecnologia vinda da Europa. A tecnologia de pontes desse tipo surgiu na Alemanha, cerca de 50 anos atrás, e todos os cálculos eram realizados pelos próprios profissionais, diferentemente de hoje, em que softwares cada vez mais modernos realizam os cálculos com precisão e velocidade muito superiores. Assim, os avanços na informática contribuíram muito para a evolução desse tipo de construção, permitindo que o número de estais por ponte crescesse sem limitações de cálculo.


Aprendizes surpreendentes
Dez anos antes foi construída a primeira ponte estaiada do Brasil, localizada também sobre o rio Pinheiros. É a estação de metrô da linha 5, considerada, segundo Catão, uma “estação ponte estaiada”. Naquela ocasião, a empresa Enescil, a mesma responsável pelo projeto estrutural da Octávio Frias de Oliveira, realizou uma joint-venture com a empresa francesa de maior reconhecimento mundial na técnica de pontes estaiadas, a Jean Müller Internacional. Foram os profissionais dessa empresa que projetaram, em 1995, a ponte da Normandia, na foz do rio Sena, cujos 890 metros de vão livre (a distância entre os pontos de apoio da ponte) destacavam-na, então, como a ponte de maior vão livre estaiado do mundo. Hoje a ponte estaiada de maior vão livre já construída está na China: são 1.080 metros (Sutong Bridge). Perto dela, os 150 metros de vão livre da ponte paulistana parecem pouco, porém, a obra foi pioneira para o país.

O engenheiro Catão Ribeiro conta que a Jean Müller projetou pontes estaiadas em vários países, inclusive por meio da implantação de subsidiárias mundo afora, mas que a empresa não teve interesse no Brasil, por acreditar que não haveria demanda suficiente para justificar sua implantação por aqui. “Foi a nossa sorte”, afirma, “pois com a joint-venture os profissionais brasileiros se capacitaram e transformaram uma deficiência em aprendizado e esforço continuado”.

Ainda no início da obra, os integrantes da equipe de projetistas apresentaram o projeto em grandes metrópoles mundiais como Londres (Inglaterra) e Pequim (China) e depararam-se com um público especializado curioso. Isso porque as características da ponte Octávio Frias de Oliveira são inéditas: duas pistas estaiadas que se cruzam fazendo a curva mais acentuada da história, com um raio de 60 graus. “Eu nunca tive dúvidas sobre o resultado bem-sucedido do empreendimento”, afirma Catão Ribeiro. “O que nos pegou de surpresa foi o tempo de sua execução, maior do que o esperado, mesmo com o uso de avançados programas computacionais para os cálculos exigidos, de alta complexidade”. Para se ter uma ideia da complexidade da obra, foram necessários 860 desenhos de estrutura que detalhassem as diversas fases do projeto, ao passo que pontes tradicionais exigem em torno de 50 ou 60 desenhos.

O engenheiro Catão ressalta que o projeto esteve entre os 15 selecionados como exemplo de inovação pelos mais importantes órgãos internacionais ligados à construção de pontes, entre cerca de 300 inscritos. “Essa ponte tem visibilidade e reconhecimento no mundo todo”, diz Catão.


Os melhores insumos
Uma ponte assim tão inovadora foi projetada e construída com recursos de apoio e materiais de alta qualidade. O principal software usado para os complexos cálculos de tamanho e posicionamento dos estais, o Midas Civil, foi importado da Coreia a um custo de aproximadamente US$ 20 mil. Também foram importados os estais que sustentam a obra, originários da Espanha. Os demais materiais, de qualidade equiparável, foram fornecidos por empresas brasileiras. Catão Ribeiro diz que aproximadamente 80% dos insumos utilizados foram produzidos no Brasil. “No caso dos estais, decidimos importar da Espanha em razão do câmbio favorável, e não da ausência de materiais equivalentes aqui”, afirma.

Tanto cuidado nos cálculos e na escolha dos materiais darão uma durabilidade à ponte de pelo menos um século, com manutenção mínima. São 500 toneladas de cordoalhas de aço (feixes de aço que constituem os cabos) revestidas com bainha de polietileno de alta densidade e 58 mil metros cúbicos de concreto armado e protendido (características resultantes de processos que conferem maior resistência ao concreto). Os cabos de aço (usados como estais) são de tripla proteção contra corrosão e ação de raios ultravioleta, além de terem sido também protegidos contra possíveis ações de vandalismo. Nos elementos de fixação de cada um dos estais foram instaladas células de carga, capazes de monitorar as forças aplicadas sobre eles. Isso permitiu o ajuste das tensões mecânicas de montagem, equilibrando a ponte adequadamente e não sobrecarregando os cabos durante a construção.

No que diz respeito à resistência contra ventos de diferentes velocidades, o trabalho da equipe da UFRGS nos ensaios em túnel de vento comprovaram que a escolha de materiais modernos resultou em uma ponte capaz de suportar ventos de até 250km/h. Esses ensaios são simulações realizadas a partir da construção de um modelo reduzido da ponte, da ordem de 150 vezes menor que seu tamanho original, colocado dentro de uma tubulação onde são lançados jatos de vento de velocidades variáveis, para verificar o possível grau de desconforto dos motoristas que trafegarem pela ponte sob a ação dos ventos e, principalmente, para atestar que a ponte não corre nenhum risco de colapso.

Beleza e economia de custos
A ponte chama a atenção não apenas pelo traçado das pistas, mas pelo desenho do mastro e seus 144 cabos estais amarelos entrelaçados. Os engenheiros Catão Ribeiro e Leonardo Lorenzo concordam que a obra, além de ser uma referência em engenharia, tem um grande valor estético e paisagístico. “Até a cor dos estais foi escolhida pelo arquiteto João Valente para que o efeito visual provocado iluminasse a paisagem do local”, diz Catão. Para Lorenzo, os aspectos funcionais uniram-se à estética, fazendo da ponte o novo cartão postal da cidade.

Alguns, porém, questionaram a necessidade de se fazer uma obra tão custosa e moderna. Em torno de 25% dos recursos da obra provieram do orçamento da prefeitura e o restante da venda dos Cepacs (Certificados de Potencial Adicional de Construção) a investidores que desejam realizar empreendimentos imobiliários de altura superior à permitida nas áreas de influência da ponte. Na época, os opositores ao projeto da ponte suspensa por estais argumentavam que uma ponte construída de formas mais tradicionais custaria 20% menos.

Não é o que afirma o engenheiro Catão Ribeiro, que, ao receber a tarefa de conceber o projeto da ponte, já tinha como dado que ela seria estaiada. “A obra já foi licitada como sendo desse tipo”, afirma. Mas, de acordo com Ribeiro, foi a melhor escolha possível. “Qualquer outro tipo de ponte (em arco, pênsil ou de balanços sucessivos) seria mais custoso, menos funcional e menos elegante também”. Lorenzo acredita que, apesar de não ter sido um projeto barato, foi uma verba bem gasta. “E além do mais, poupamos a cidade de mais uma obra feia, como muitas que existem hoje. A preocupação com a paisagem urbana não pode ser negligenciada”, conclui.

* Adaptado do texto originalmente publicado na revista Conhecimento e Inovação.



Fonte: http://www.univesp.ensinosuperior.sp.gov.br/preunivesp/3349/tecnologia-na-ponte-.html

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