As máquinas estão cada vez mais inteligentes, e a cada dia mais presentes em nosso cotidiano
Por Enio Rodrigo

A palavra robô vem do tcheco robota (trabalhador forçado, em tradução livre), e apareceu pela primeira vez na peça de teatro R.U.R., de Karel Capek, escrita em 1921. O cinema popularizou a imagem dos robôs, principalmente os humanoides ou androides. O clássico de Fritz Lang, Metrópolis, é um dos exemplos mais emblemáticos, e as histórias de Isaac Asimov, como Eu, Robô, ajudaram a popularizar a ideia de máquinas que substituem humanos em tarefas diversas. Diferente da ficção, atualmente os robôs (ainda) não fazem tudo, embora já estejam em quase todos os lugares: desde as linhas de produção de carros até em brinquedos e eletrodomésticos. Os exemplos são inúmeros e isso tem um motivo claro: essas máquinas não pertencem mais ao futuro: são cada vez mais parte do nosso cotidiano.
A mecatrônica surgiu no final dos anos de 1960 e início dos 1970, como uma disciplina integradora de várias engenharias para a criação de máquinas que substituíssem os trabalhadores em funções repetitivas, insalubres e perigosas. Além disso, esses maquinários robotizados também tinham a função de aumentar a produção, diminuir os erros e os custos dos produtos fabricados.
Até então, o projeto dos maquinários era desenvolvido pela engenharia mecânica e acrescido de equipamentos eletrônicos que os automatizassem. Eram diversos tipos de profissionais especializados que trabalhavam dentro de suas áreas e que depois consolidavam o projeto. “A mecatrônica visa uma inversão: formar um profissional que tenha visão ampla de todos os processos envolvidos e que crie um projeto o mais integrado possível. Um engenheiro mecatrônico precisa entender de mecânica, eletrônica e microeletrônica, informática e ter grandes noções de engenharia de produção”, detalha Mauro Juarez Cáceres, coordenador da Faculdade Senai de
Tecnologia Mecatrônica de São Caetano do Sul. “O projeto integrado é mais complexo, mas mitiga os riscos do processo como um todo”, expõe Caurin.
No Brasil, a mecatrônica chegou um pouco mais tarde, no final da década de 1980. As empresas automobilísticas foram as primeiras a introduzir as linhas de montagem automatizadas e ainda são as que mais rapidamente assimilam tais tecnologias. “Começaram com robôs mais tradicionais que faziam soldas e pinturas, e que aos poucos foram sendo substituídos por máquinas mais refinadas”, explica Cáceres, cuja instituição fica justamente na região do ABC paulista, polo onde a maioria das indústrias automotivas se instalaram a partir de meados do século passado.
Outros setores brasileiros também já estão na mesma toada. Na agroindústria, o movimento é crescente, aponta Caurin, especialmente na área de processos semiautomatizados, onde o operador se encarrega de dirigir as máquinas pelo espaço onde elas atuarão plantando, colhendo e embalando a colheita em fardos, por exemplo.
Máquinas mais inteligentesA Mecatrônica, também conhecida como Engenharia de Controle e Automação, está intimamente ligada à informática. As máquinas automatizadas ganham cada vez mais “inteligência”, ou seja, permitem que o operador determine tarefas cada vez mais complexas, sem a necessidade de serem orientadas para outras dinâmicas com menor nível de complexidade. “A Inteligência Artificial (IA) vem ganhando destaque nessa área. Não é o tipo de inteligência complexa como vemos nos filmes, mas rotinas que passam a ser desnecessárias de serem programadas pelo operador”, explica Marcelo Ricardo Stemmer, pesquisador e professor da Faculdade de Controle e Automação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
“Robôs manipuladores, como aqueles braços robóticos de linha de montagem são considerados mais ‘burros’, pois precisam de mais inputs dos operadores antes que eles passem a repetir as tarefas de forma constante. Outros tipos, como os autônomos, que precisam se movimentar em determinados espaços, já têm uma maior capacidade de ‘aprendizado’”, aponta Stemmer.
Não é somente na linha de produção ou em grandes fábricas que esses robôs e máquinas cada vez mais “inteligentes” estão presentes. Assim como as lavadoras de roupa contêm muito mais opções de ações automáticas, outros eletrodomésticos estão se “robotizando”. No Japão (país onde a robótica é uma paixão nacional), são comuns aspiradores de pó que vagam sozinhos pela casa ou pelos escritórios fazendo o serviço de limpeza. Geladeiras que apontam os produtos que estão faltando e sugerem compras também não são mais uma invenção dos escritores de ficção.
“A sociedade como um todo está sendo beneficiada por esses mecanismos automáticos facilitadores de tarefas rotineiras, e isso é muito bom. Se em um primeiro momento a automação das fábricas comprometia os empregos, agora as máquinas são geradoras de empregos. Os robôs passaram a ser um produto em si”, diz Caurin, cuja visão vem carregada das ideias ventiladas no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA), onde o pesquisador fez seu doutorado. Ele enfatiza o que, em sua visão, os alunos de um curso de mecatrônica devem ter em mente: “A criação da mecatrônica é para a sociedade, para o consumidor final. Os projetos de grandes máquinas para as grandes indústrias, hoje, são só uma parte do campo que um engenheiro mecatrônico tem para atuar”.
Vencendo a distância
Além das máquinas e processos “inteligentes”, outro produto fruto do avanço da mecatrônica são os “drones”. Comuns nos noticiários graças ao aumento de aviões não tripulados – porém controlados a distância – usados em diversos cenários de conflito (e na vigilância de fronteiras, por exemplo), os drones também têm ampliado sua presença nos cenários civis.
Um drone é um tipo de robô que executa tarefas bastante refinadas, porém com pouca autonomia, sendo controlados à longa distância. Os drones são usados, por exemplo, para fazer a averiguação de problemas em linhas de transmissão de energia, fazer o reparo em instalações em águas profundas (como os submarinos-robôs que corrigem falhas em equipamentos petrolíferos) e, mais recentemente, possibilitando que cirurgiões façam operações a distância.
O uso médico de robôs vem sendo testado desde o início do século XXI. No Brasil, elas já são comuns em cirurgias e diversos hospitais brasileiros já utilizam o procedimento. “Recentemente, um médico nos EUA guiou a operação de um paciente na Austrália, através desse conjunto de tecnologias chamada ‘telepresença’, que inclui os robôs, sistemas de comunicação eficientes e softwares complexos para minimizar erros”, exemplifica Stemmer.
Realidade virtual
A engenharia mecatrônica também pode ser fruto de projetos colaborativos em que diversos grupos de engenheiros trabalham ao mesmo tempo em um único objeto (uma máquina ou processo automatizado), em ambientes virtuais. Com a realidade virtual, os projetos têm seus riscos diminuídos cada vez mais. A partir de modelos matemáticos e de simuladores virtuais é possível prever erros e acertos no projeto antes mesmo deles serem executados. “A mecatrônica não é só multidisciplinar, mas também uma disciplina colaborativa por natureza. É preciso se integrar com outros especialistas. No Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), temos grupos de alunos que vão até uma fábrica, identificam problemas a serem solucionados e criam, dentro de um ambiente de simulação, máquinas automatizadas e robôs que só existem dentro do computador. Após fazer todos os ajustes, com a ajuda de outros engenheiros e projetistas, passamos para a construção física desses projetos”, detalha Cáceres.
A revista The Economist recentemente publicou uma matéria sobre essa intersecção entre a realidade virtual e os processos de produção, características do que vem sendo chamado de Terceira Revolução Industrial (veja link para reportagem abaixo). Máquinas que constroem máquinas em qualquer parte do planeta, a partir de projetos virtuais.
É a automação da automação, que passa pelos modelos matemáticos citados por Cáceres.
E essa realidade está cada vez mais próxima. Um projeto brasileiro, baseado em experiências similares na Europa e nos EUA, propõe a construção de uma pequena linha de montagem em casa. A chamadaMetamáquina nada mais é do que uma impressora 3D que, além de “imprimir” produtos de baixo custo, também pode se reproduzir, criando novas impressoras.
Profissional global
“O engenheiro mecatrônico guarda semelhanças com o arquiteto: um profissional multidisciplinar com uma visão ampla do processo. Quem estiver pensando em seguir essa carreira tem que ter isso em mente. E o aprendizado não é para após o final do curso – técnico, graduação ou pós. A cada novo projeto esse profissional precisa estudar mais, pois as realidades de um sistema automatizado para um hospital são diferentes de uma linha de produção ou de um maquinário agrícola, apenas para citar alguns exemplos”, aponta Caurin.
O mercado de atuação também está longe de se saturar. No Brasil, a automação dos parques industriais ainda está em andamento. O mesmo acontece em outras partes do mundo, além dos projetos de inovação ou renovação de setores na Europa e EUA. “Os alunos brasileiros na área de automação têm uma boa formação de base geral. Aqui na UFSC são vários os que vão fazer pós-graduação no exterior. Entre 15 e 20 alunos por ano vão estudar em instituições americanas e europeias. Os brasileiros são muito bem avaliados”, afirma Stemmer. “O aluno terá que estar preparado para ser um profissional global, sempre com a mala pronta para viajar o mundo”, brinca Caurin.
Referência: Manufacturing: the third industrial revolution. The Econonist, Apr 2012.
Fonte: http://www.univesp.ensinosuperior.sp.gov.br/preunivesp/3345/mecatr-nica-a-engenharia-que-imita-e-facilita-a-vida.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário